segunda-feira, 15 de outubro de 2007

A Utilização das Novas Tecnologias no Local de Trabalho: quais as garantias para os trabalhadores?

O desenvolvimento das novas tecnologias implica, inevitavelmente, que o tratamento de dados e as fórmulas de controlo no local de trabalho assumam uma natureza diversificada, nomeadamente através da introdução sistemática da informática nos processos de controlo, de entradas e saídas, de movimentos no interior da empresa e no processo produtivo, bem como na recolha de múltipla informação sobre o trabalhador. Actualmente, o trabalhador evolui para um estado diferente: o de trabalhador vigiado e transparente.
O controlo já não está exclusivamente direccionado para os resultados da prestação do trabalho, tendo passado a abranger outros aspectos que o empregador pode valorar, tais como o comportamento do trabalhador, a forma como executa as tarefas que lhe estão atribuídas ou como se adapta ao trabalho em grupo.
Como sabemos, o exercício dos poderes de controlo decorrem do próprio contrato. Todavia, as novas tecnologias não devem assumir um carácter ilimitado, mas circunscrever-se àquilo que se revele necessário para apreciar o cumprimento do contrato naquilo que se prenda com a melhoria da organização produtiva da empresa. As novas tecnologias devem servir os poderes de controlo de forma proporcionada e racional, com um nível de intromissão objectivamente justificado no contexto do contrato, pois a “dignidade do trabalhador é algo demasiado importante para poder ser posta em causa através de meios de vigilância clandestina” que podem, por sua vez, comprometer o exercício de alguns dos seus direitos, nomeadamente o direito à reserva da intimidade da vida privada (artigos 16.º e 122.º/a do Código do Trabalho).
Não se pode dizer que não exista interacção entre as relações de trabalho e alguns aspectos da vida privada. Contudo, existem aspectos da vida privada que não interessam em nada para a vida profissional e é legítimo, por parte do trabalhador, preservar e defender da curiosidade da entidade empregadora esses mesmos aspectos.
O Grupo de protecção das pessoas no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais[1] considera que os “trabalhadores não abandonam o direito à sua vida privada e à protecção dos dados, cada manhã, ao atravessarem a soleira do seu posto de trabalho. Eles esperam – legitimamente – um certo grau de respeito da vida privada no seu lugar de trabalho, porque é aí que desenvolvem uma parte importante das suas relações com outras pessoas. Este direito deve, no entanto, ser equilibrado com outros direitos e interesses legítimos do empregador, nomeadamente o seu direito de gerir de forma eficaz a sua empresa …”[2].
Em suma, o trabalhador deve ser visto, desde logo, como um cidadão a quem a lei reconhece a titularidade de direitos fundamentais e que não pode ser privado desses direitos quando celebra um contrato de trabalho. Os trabalhadores, só pelo simples facto de o serem, não devem suportar esbulhos ou limitações injustificadas dos seus direitos fundamentais: o seu estatuto (o de trabalhador) não comporta a limitação dos seus direitos, liberdades e garantias, de modo injustificado e arbitrário.

Assim sendo, vamos tratar de um aspecto essencial no âmbito da nossa problemática:
· Privacidade no local de trabalho, nomeadamente no que diz respeito ao tratamento de dados em centrais telefónicas, controlo do e-mail e acesso à Internet.

Þ Privacidade no local de trabalho:

Como já se salientou, as novas tecnologias são um factor decisivo para a modernização, organização, aumento da produtividade e de competitividade dos agentes económicos. Podem, simultaneamente, ser utilizadas como meio de controlo dos trabalhadores em matéria de produtividade, eficiência, competência e, ainda, como instrumento de aferição das ordens e instruções da entidade empregadora (legitimadas pelo poder de direcção do empregador e correspectiva subordinação jurídica por parte do trabalhador).
Nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do Código do Trabalho, “o trabalhador goza do direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de carácter não profissional que envie, receba ou consulte, nomeadamente através do correio electrónico.” Contudo, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo é-nos dito que, sem prejuízo do número anterior, o empregador pode “estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio electrónico”.
Afinal, em que ficamos? Como resolver esta aparente contradição?

a) Utilização e controlo do e-mail e Internet:
Actualmente, perante a massificação dos meios de comunicação e dos benefícios que lhe advêm, pensamos que é absurdo, irrealista e prejudicial que, no contexto da relação de trabalho se proíba, de forma absoluta, a utilização do correio electrónico e o acesso à Internet para fins que não sejam estritamente profissionais. Ou seja, não deve proibir-se aos trabalhadores o uso de tais meios para fins pessoais, desde que os termos do acesso sejam regulados pormenorizadamente para que não se lese interesses de ambas as partes (empregador e trabalhador).
Certos factores devem ser analisados pela entidade empregadora para que se possam definir regras claras, unívocas e precisas em relação à utilização do correio electrónico e da Internet para fins privados, isto é, para fins desligados da actividade exercida no seio da empresa. Quais os factores que podem ser levados em consideração pela entidade empregadora para a tomada de tal decisão?
· A salvaguarda da liberdade de expressão e de informação;
· A formação, o livre desenvolvimento e iniciativa do trabalhador;
· Os custos para a empresa;
· As políticas de segurança, de privacidade e grau de utilização destes meios;
· O tipo de actividade e o grau de autonomia dos trabalhadores;
· As necessidades concretas e pessoais dos trabalhadores;
· etc.
As regras estabelecidas pela entidade empregadora, relativamente ao uso do correio electrónico e da Internet para fins alheios aos fins estritamente profissionais, devem fundar-se nos princípios da adequação, da proporcionalidade, da mútua colaboração e da confiança recíproca.
De modo a que estas regras sejam compreendidas, aceites e respeitadas sem reservas, os trabalhadores ou os seus órgãos representativos devem ser consultados relativamente às mesmas, para que as regras sejam publicitadas, possibilitando assim uma informação clara quanto ao grau de tolerância, o tipo de controlo efectuado pela entidade empregadora e, sobretudo, sobre as consequências do incumprimento daquelas regras que, por sua vez, na nossa óptica, podem ir desde o simples aviso/ advertência ao trabalhador até ao despedimento com justa causa, mediante o preenchimento de determinados pressupostos.
Finalmente, cumpre dizer que qualquer tratamento de dados que recorra a meios automatizados e que tenha como finalidade o controlo dos trabalhadores está submetido às disposições da Lei 67/98, de 26 de Outubro.
A CNPD[3] apreciará, em concreto, todas as vertentes do tratamento dos dados pessoais, fixando as medidas de salvaguarda da liberdade individual dos trabalhadores.

A comissão nacional de protecção de dados estabeleceu uma série de princípios específicos em relação ao e-mail. Destacaremos os que achamos que são mais relevantes. Vejamos:
1. Mesmo que haja por parte da entidade empregadora uma proibição da utilização do e-mail para fins privados, isto não lhe dá o direito de abrir, automaticamente, o e-mail dirigido ao trabalhador;
2. A entidade empregadora (responsável pelo tratamento – artigo 3.º/d) da Lei 67/98) tem legitimidade para tratar os dados na sua vertente de registo, organização e armazenamento – artigo 6.º/a) da Lei n.º 67/98;
3. As condições de legitimidade do tratamento, na vertente de acesso, implicam uma ponderação entre os interesses legítimos do responsável e os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados (artigo 6.º/e) da Lei n.º 67/98);
4. Os poderes de controlo da entidade empregadora devem ser compatibilizados com os direitos dos trabalhadores, assegurando-se que devem ser evitadas intromissões;
5. A entidade empregadora não deve exercer um controlo permanente e sistemático do e-mail dos trabalhadores, devendo o mesmo ser pontual e direccionado para as áreas que apresentem um maior risco para a empresa;
6. O controlo dos e-mails deve realizar-se de forma aleatória, devendo ter em vista a garantia da segurança do sistema e a sua performance;
7. À constatação da utilização desproporcionada deste meio de comunicação – que será comparada com a natureza e o tipo de actividade desenvolvida – deve seguir-se um aviso do trabalhador e, se possível, o controlo através de outros meios alternativos e menos intrusivos.
8. Eventuais controlos fundamentados na prevenção ou detecção da divulgação de segredos comerciais deve ser direccionado, exclusivamente, para as pessoas que têm acesso a esses segredos e apenas quando existam fundadas suspeitas;
9. Finalmente, o acesso ao e-mail deve ser o último recurso a utilizar pela entidade empregadora, sendo desejável que esse acesso seja feito na presença do trabalhador visado e, preferentemente, na presença de um representante da comissão de trabalhadores.
10. O acesso deve limitar-se à visualização dos endereços dos destinatários, o assunto, a data e hora do envio, podendo o trabalhador – se for o caso – especificar a existência de alguns e-mails de natureza privada e que não pretende que sejam lidos pela entidade empregadora. Nestes casos, devido à oposição do trabalhador, a entidade empregadora não deve consultar o conteúdo do e-mail.

Foram, por outro lado, também estabelecidos princípios específicos em relação ao uso da Internet pela comissão nacional de protecção de dados. Vejamos sucintamente quais estes princípios:
1. A entidade empregadora deve assegurar-se que os trabalhadores estão claramente informados e que estão conscientes dos limites estabelecidos em relação à utilização da Internet para fins pessoais e que conhecem as formas de controlo que podem ser adoptadas;
2. Deve ser admitido um certo grau de tolerância em relação ao acesso para fins privados;
3. O acesso à Internet gera o desenvolvimento da capacidade de investigação, autonomia e iniciativa do trabalhador e estes são aspectos que podem ser captados em benefício da empresa. Estas vantagens devem ser consideradas pelo empregador;
4. A entidade empregadora não deve fazer um controlo permanente e sistemático do acesso à Internet. Se houver este controlo, ele deve ser feito de forma global (e não individualizada) e em relação a todos os acessos na empresa, com referência ao tempo de conexão na empresa;
5. Admite-se que seja feito um tratamento dos sítios mais consultados na empresa, mas sem identificação dos postos de trabalho, de modo a avaliar em que medida o acesso compromete a dedicação às tarefas profissionais ou a produtividade;
6. Se estiverem em causa razões de custos ou de produtividade, o controlo do trabalhador deve ser feito, num primeiro momento, através da contabilização do tempo médio de conexão, independentemente dos sítios consultados. Perante a verificação de acessos excessivos e desproporcionados deste meio de comunicação, deve seguir-se um aviso ao trabalhador em relação ao grau de utilização.

b) Utilização de telefones:
Os trabalhadores, mesmo nessa veste, não deixam de ter a sua vida privada e, consequentemente, precisam de resolver problemas atinentes à sua vida enquanto cidadãos. Isto é, há necessidades do dia-a-dia que não podem ser resolvidas sem que se recorra ao telefone durante o tempo e no local de trabalho.
Contudo, também o recurso ao uso do telefone não pode ser ilimitado, caso contrário incorrer-se-ia em abusos e prejuízos graves para a entidade empregadora, principalmente ao nível da produtividade e dos custos.
Assim sendo, a entidade empregadora deve definir rigorosamente o grau de tolerância quanto à utilização dos telefones e outras formas de controlo realizadas para evitar certos e determinados problemas entre as partes envolvidas.
O controlo das chamadas realizadas deve limitar-se à identificação do utilizador, à sua categoria/função, número de telefone chamado, tipo de chamada (local, regional e internacional), duração da chamada e custo da comunicação. Ao trabalhador deve, ainda, ser dada a garantia de supressão dos últimos quatro dígitos, nomeadamente nos casos em que a lista é acessível a outros trabalhadores.
Por outro lado, não é permitido o acesso a indevido a comunicações, a utilização de qualquer dispositivo de escuta, armazenamento, intercepção e vigilância de comunicações pela entidade empregadora. Os meios de intercepção, vigilância e gravação só podem ser utilizados se houver consentimento expresso dos utilizadores ou previsão legal.

Em suma:
A entidade empregadora tem que informar os trabalhadores das condições de utilização dos meios da empresa para efeitos privados ou do grau de tolerância admitido, sobre a existência de tratamento, das suas finalidades e existência de controlo, sobre os dados tratados e o tempo de conservação, bem como sobre as consequências da má utilização ou utilização indevida dos meios de comunicação colocados à sua disposição – isto resulta dos artigos 2.º, 5.º/1 alíneas a) e b) e 10.º/1 da Lei n.º 67/98.
A entidade empregadora deve dar preferência a métodos genéricos de controlo, abstendo-se da consulta individualizada de dados pessoais. Uma amostragem genérica (p. ex.: quantidade de chamadas feitas por uma extensão, número de e-mails enviados, tempo gasto em consultas na Internet, …) pode ser suficiente para satisfazer os objectivos do controlo.
E, por último, o trabalhador tem direito de oposição em relação ao tratamento de dados a seu respeito, se os pressupostos da alínea a) do artigo 12.º da Lei n.º 67/98 se encontrarem preenchidos.

Pensamos que é, ainda, importante referir que os princípios estabelecidos pela CNPD são apenas recomendações, orientações, isto é, não têm carácter vinculativo para as entidades empregadoras.
Dado o que se encontra estabelecido no n.º 2 do artigo 21.º do Código do Trabalho, podemos concluir que a posição em que o trabalhador se encontra podia estar mais tutelada, evitando algumas intromissões injustificadas na vida privada do trabalhador que podem ser levadas a cabo pela entidade empregadora.

Bibliografia:

·
www.verbojuridico.net
· www.cnpd.pt/bin/orientacoes/
· www.camara-e.nte/upload/maristela%20basso.doc
[1] Grupo de Trabalho que foi criado pelo artigo 29.º da Directiva 95/46/CE. É um órgão consultivo e independente, com as atribuições estabelecidas no artigo 29.º desta Directiva e é composto por um representante da autoridade(s) de controlo designadas por cada Estado-Membro, por um representante da autoridade(s) criadas para as instituições e organismos comunitários, bem como por um representante da Comissão Europeia (artigo 29.º/2).
[2] “O controlo das comunicações electrónicas no local de trabalho”, página 3, in http//www.europa.eu.int/comm./privacy
[3] Comissão Nacional de Protecção de Dados

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